A crise climática também é um problema de cultura, resultado e perpetuado pela herança colonial das potências mundiais e sua relação exploratória com os territórios e povos subjugados. As práticas mercadológicas, políticas e sociais dos brasileiros refletem esse legado marcado pela exploração intensiva dos recursos naturais e pela busca incessante de crescimento econômico, muitas vezes em detrimento da sustentabilidade socioambiental.
Desde o período colonial, o Brasil desenvolveu uma economia baseada na exportação de commodities como açúcar, ouro, café, e mais recentemente, soja e carne bovina, perpetuando a mesma cultura com novas roupagens.
Socialmente, a desigualdade histórica também influencia as atitudes em relação ao meio ambiente, com comunidades inteiras e grupos de pessoas minorizadas frequentemente sofrendo mais com os impactos das mudanças climáticas e tendo menos recursos para se adaptar. Esse legado, combinado com uma governança que nem sempre consegue equilibrar desenvolvimento econômico e sustentabilidade, criou desafios complexos para a mitigação das mudanças climáticas no Brasil.
Tecnologia ancestral como vetor para o futuro
A população diversificada da América Central inclui mais de 60 grupos de povos indígenas, cujos sistemas de organização cultural, econômica, política e social se desenvolveram ao longo dos séculos. Estes grupos étnicos têm contribuído ao longo desse tempo para o que hoje chamamos de gestão do risco de catástrofes (DRM) e adaptação às alterações climáticas com a sua própria marca de conhecimento, ciência e práticas tradicionais. Apesar da sua sabedoria e práticas antigas, 80% dos 42 milhões de povos indígenas da América Central e do resto da América Latina vivem na pobreza, tendo sido historicamente excluídos da economia formal.
A América Central é a segunda região mais vulnerável do mundo aos riscos naturais. Mas a região, rica em recursos naturais e culturais, pode melhorar sua resiliência climática se toda a população, incluindo os seus povos indígenas, trabalhar em conjunto. Se o conhecimento das tradições indígenas for combinado com a tecnologia moderna, isso poderá criar oportunidades para construir uma América Central mais resiliente.
Os povos indígenas argumentam que o reconhecimento dos seus conhecimentos, direitos e sistemas é necessário nos processos de resposta a emergências, prevenção e reconstrução. Além disso, querem que os eventos sejam vistos da perspectiva da sua ciência e conhecimento indígenas. Pretendem também que os seus próprios esforços no fortalecimento institucional e organizacional, nos direitos e salvaguardas, e na voz e participação sejam tidos em conta. Esta é uma opinião partilhada pela Conferência das Partes sobre as Alterações Climáticas da ONU, que reconheceu que os povos indígenas são parte da solução para enfrentar as alterações climáticas.
Negócios de cultura e a urgência da adaptabilidade
A crise climática representa uma ameaça existencial para locais patrimoniais em todo o mundo, muitos dos quais estão localizados em áreas costeiras vulneráveis. Com eventos extremos como erosão costeira, inundações e tempestades tornando-se mais frequentes e intensos, a preservação desses locais históricos tornou-se uma prioridade.
Ao menos seis instituições públicas de arte e conservação de patrimônio foram afetadas pelos temporais e enchentes das últimas semanas na região central de Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Governo do estado e prefeitura ainda calculam os danos.
No centro histórico, as inundações afetaram locais culturais importantes, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e a Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ). Na CCMQ, a enchente danificou o térreo, atingindo a Cinemateca Paulo Amorim, lojas e a Livraria Taverna, mas os pisos superiores, incluindo teatros e bibliotecas, ficaram ilesos. No Margs, o diretor-curador Francisco Dalcol organizou uma operação de emergência para mover obras de arte do térreo para andares superiores, uma situação inédita desde a fundação do museu em 1954.
A comoção causada pelas enchentes está mobilizando campanhas de doações para o setor cultural, abrangendo audiovisual, música, teatro, artes, escritores, bibliotecas e livrarias. Um exemplo notável é a gravação da canção "Menino Deus" por Caetano Veloso e Maria Bethânia, que cederam os direitos do vídeo para arrecadar fundos em apoio a artistas e trabalhadores da cultura no Rio Grande do Sul.
Segundo Leandro Grass, presidente do Iphan, atualmente é possível apenas mapear geograficamente os danos nas áreas alagadas. A avaliação detalhada dos estragos e das intervenções necessárias ocorrerá após a água baixar. Grass destaca que os prejuízos ao patrimônio cultural têm um impacto intangível significativo, afetando símbolos e referências culturais essenciais. Ele enfatiza que, além das necessidades urgentes como água e abrigo, será crucial reconstruir os bens culturais para resgatar a história, a tradição e a autoestima da população.
Em novembro de 2023, a jovem Ana Clara Benevides Machado perdeu a vida no show da artista Taylor Swift, no Rio de Janeiro. Naquele dia, o estádio do Engenhão continha mais de 60 mil pessoas. Na ocasião, a cidade atravessava uma onda de calor, a temperatura no dia passava de 40ºC no Rio, mas com uma sensação térmica bem mais elevada, de quase 60ºC, segundo medições feitas pela Prefeitura na estação de Guaratiba, na Zona Oeste.
Durante uma reunião em março, com uma pauta de 100 itens, a Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) deu aval ao Projeto de Lei nº 1594/2023, que torna obrigatório o fornecimento de água potável em shows e grandes eventos em todo o Estado. De autoria da deputada Paula da Bancada Feminista (Psol), a chamada "Lei Ana Benevides" teve como relator o colega Rômulo Fernandes (PT). A proposta teve aprovação unânime da Comissão.
Apesar do surgimento de soluções emergenciais e novas abordagens para a produção de eventos culturais, como o uso de tecnologia para monitoramento e previsão de condições climáticas extremas; investimentos em infraestrutura adaptável e alternativas de localização, ainda precisamos discutir e elaborar protocolos institucionalizados sobre as condições de realização de grandes eventos frente as novas condições climáticas.
A cultura pode ajudar a diminuir os impactos das mudanças climáticas ao transformar nossas práticas socioeconômicas e promover a sustentabilidade de diversas maneiras. Na Coreia do Sul, por exemplo, há um investimento de 4,6% do PIB (US$ 73 bilhões) em inovação tecnológica, pesquisa e desenvolvimento, em comparação com 1,32% no Brasil (US$ 40,5 bilhões). Essa transição para a economia criativa permitiu que a Coreia do Sul mantivesse seus níveis de emissão de gases de efeito estufa de 2018 iguais aos de 2010. Além disso, devido à pressão de ativistas, artistas e cientistas, na COP 26 o país se comprometeu a reduzir suas emissões em 2030 para 40% dos níveis de 2018, com um investimento inicial de US$ 10,1 bilhões em 2022, focado na transição energética.
Artistas desempenham um papel crucial como narradores eficazes na mobilização climática. A narrativa contada por figuras públicas e culturais, como Anitta e Chico Buarque, pode ter um impacto muito maior no público e potencializar comunicações feitas por especialistas e ativistas. Esses artistas têm a capacidade de engajar e mobilizar a população para a urgência da transição climática, utilizando seu alcance e influência para disseminar mensagens importantes sobre sustentabilidade e resiliência ambiental de uma maneira que ressoe com um público mais amplo.
O cinema entra no clima
A indústria cinematográfica e de televisão está cada vez mais reconhecendo a importância de incluir narrativas sobre mudanças climáticas em filmes e programas de televisão. Essas histórias não apenas refletem a crescente conscientização pública sobre as questões ambientais, mas também têm o potencial de inspirar ação e engajamento em torno da sustentabilidade.
O Hollywood Climate Summit e iniciativas similares estão proporcionando uma plataforma para roteiristas e cineastas compartilharem histórias sobre mudanças climáticas. Ao destacar os desafios e oportunidades associados à crise climática, essas narrativas podem catalisar conversas significativas e influenciar a percepção pública sobre a urgência das mudanças climáticas. Na edição do ano passado, 125 roteiros ainda não produzidos foram entregues. E, após análise com base na força das histórias, na diversidade dos personagens e na atenção dada ao clima, 51 semifinalistas foram escolhidos. Depois, um júri formado por veteranos da indústria do entretenimento selecionou 18 finalistas.
À medida que a crise climática continua a moldar o cenário cultural, os setores econômicos relacionados à cultura enfrentam desafios sem precedentes. A adaptação a eventos climáticos extremos, a promoção da sustentabilidade em eventos culturais e a inclusão de narrativas climáticas na mídia são passos essenciais para mitigar os riscos e promover uma resposta eficaz.
A ideia de direitos da Natureza pode causar estranhamento. No entanto, este é o mesmo estranhamento que um dia cercou as propostas de direitos civis, direitos humanos e direitos das crianças. O sociólogo uruguaio Eduardo Gudynas, em sua obra seminal, analisa os caminhos conceituais e as lutas sociais que nos levam a tratar a Natureza como sujeito de direitos, e não como mero objeto da exploração humana. Em tempos de crise ambiental global, essa transformação cultural e política não é apenas desejável — é imperativa.
A cultura tem o poder de sensibilizar que — muitas vezes — dados e estatísticas não conseguem. Precisamos de mais filmes, músicas, exposições e literatura que os direitos da Natureza. sob uma perspectiva inspiracional e mobilizadora.
O conceito de "sumak kawsay", ou Bem Viver, originário da cultura Kichwa, propõe uma ruptura civilizatória fundamental para os tempos distópicos em que vivemos. Essa visão nos convida a transcender o fatalismo do desenvolvimento e a buscar sociedades verdadeiramente solidárias e sustentáveis. No mercado cultural, essa ideia pode inspirar uma abordagem transformadora, que vai além do entretenimento superficial e busca promover reflexões e mudanças reais na sociedade.
O setor cultural do estado do Rio Grande do Sul foi intensamente atingido pelas enchentes das últimas semanas.
Compartilhamos algumas campanhas para apoiar no restabelecimento de pessoas e iniciativas afetadas:
Apoiar a circulação de espetáculos do RS em outros estados e países