Gab Tavares atua com estratégia, pesquisa e curadoria independente, sua atuação profissional combina vasta experiência atuando na economia criativa, com formação acadêmica e atuação e instituições de pesquisa cultural.
Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP e mais de 10 anos trabalhando em cargos de estratégia dentro de agências de comunicação e empresas de consultoria globais, possui experiência em projetos de pesquisa de futuros em escala global, service design, estratégias de P&D, marketing e comunicação.
Gab é a segunda pessoa convidada para o POV: uma editoria de conteúdo voltada a compartilhar pontos de vista de especialistas das mais diversas áreas do mercado.
Como você vê o papel das organizações na antecipação e adaptação às mudanças culturais emergentes para fortalecer suas relações com seus consumidores?
Estar conectado com as mudanças de comportamento das pessoas, em suas mais diversas variáveis, significa estar atento a pequenos sinais que, ao longo do tempo, se consolidam formando movimentos culturais com alto potencial de impacto. É preciso ir além do viés confirmatório que toda organização possui e estudar os diversos contextos culturais, temporais e geográficos a que estão sujeitas.
Para além de consumidores, as pessoas esperam que as marcas iniciem e contribuam para diálogos na esfera pública, em várias frentes. Por isso, é preciso ter o entendimento de quais movimentos culturais se relacionam de forma mais próxima com cada organização e como é possível se relacionar com cada um deles.
Como uma pessoa pesquisadora-estrategista deve se preparar para mudanças cada vez mais voláteis?
Conectando-se profundamente com os contextos que ressoam nela. Acredito veementemente na pessoa pesquisadora que propaga seus contextos, podendo trazer diversos matizes para compor os cenários que conhece profundamente. Além disso, as implicações éticas de dar protagonismo aos contextos nos quais os pesquisadores estão inseridos significam respeitar as opacidades, como fala o pensador da Martinica Edouard Glissant sobre o que cada contexto cultural tem de próprio e só se relaciona com seu próprio contexto. Alguns aspectos culturais não precisam e, muitas vezes, não devem ser dados a ver a partir de todas as perspectivas.
Considerando sua experiência em consultorias renomadas, como você sugere que as organizações utilizem insights de pesquisa para desenvolver estratégias eficazes que promovam relações autênticas e impacto positivo?
O mais importante é que as organizações tenham a consciência de que é preciso se posicionar de forma estratégica em relação aos ecossistemas nos quais estão inseridas. No setor cultural, onde temos uma maior presença, é muito comum que organizações desenvolvam iniciativas de acordo com sua identidade e vocação, mas não se posicionem em relação aos outros agentes com os quais se relacionam.
Muitas vezes, artistas, instituições e produtores culturais sentem a necessidade de ter parceiros estratégicos a seu lado nessa construção e é justamente aí que a Margem tem sua principal atuação. Através de uma pesquisa atenta a todos os principais pontos dos ecossistemas nos quais nossos parceiros estão inseridos, criamos projetos de curadoria que os posicionem de forma única, sem perder a conexão com sua vocação e sua identidade.
Como você aconselha as empresas a adaptarem suas estratégias de relacionamento com os stakeholders para atender às diversas culturas e contextos regionais?
Minha geração, as crianças dos anos 90, nasceu em um mundo no qual imperava um discurso de integração global. Assistimos à globalização ser liderada pelos poderes e discursos hegemônicos, deixando as expressões e imaginários locais, principalmente do Sul Global, escanteados.
Aos poucos, esse projeto de "Aldeia Global" mostrou-se insuficiente para lidar com as complexidades de um planeta profundamente marcado pelo colonialismo, em seus mais diversos desdobramentos. Economicamente, vemos um mundo cada vez mais cindido, no qual cadeias de valor são rompidas por embargos e medidas protecionistas. Politicamente, enxergamos as principais democracias do mundo enfrentarem crises profundas, seja no ambiente interno ou externo. Culturalmente, vemos os mais diversos grupos tomando para si seus processos de determinação de suas identidades e subjetividades. Como navegar nesse mundo?
Isso é o que chamamos de Pós-Globalização, um profundo desejo por conexão e pertencimento sem abrir mão de sua autodeterminação. Em um mundo pós-globalizado, o vislumbre do mundo conectado é substituído pela necessidade de cada grupo social poder imaginar um futuro possível para si e para os seus. Naturalmente, essa mudança influencia profundamente a forma como construímos nossas subjetividades. Seguindo esse caminho, identificamos esse desejo crescente de nos relacionar conosco mesmos, com o mundo ao nosso redor e com os mundos que criamos, as Identidades Territoriais.
A partir dessa perspectiva, entendemos que os territórios com os quais nos relacionamos, seja de onde viemos, onde estamos, nossa ancestralidade ou nossos sonhos para o futuro, têm sido protagonistas na criação de novas identidades. Por isso, acredito que, muito mais do que localizar estratégias para cada contexto regional, é importante criar a partir de cada contexto, promovendo aproximações genuínas e respeitosas com os territórios e imaginários com os quais esses grupos se relacionam.
Na sua visão, quais seriam as estratégias mais eficazes para que essas organizações se relacionem com essas novas formas de construção de si, as Identidades Territoriais?
Antes de tudo, ter um profundo conhecimento do contexto com o qual estão dialogando. Para além do que o mercado de pesquisa costuma chamar de "perfil comportamental e atitudinal do consumidor", é importante ter sinais a respeito de que mundos essas pessoas imaginam, com que futuros elas sonham, em que temporalidades elas se enxergam. Conseguimos nos aproximar dessas questões quando procuramos conhecer as diversas expressões culturais desses contextos. Quais obras de arte são produzidas por esses povos? Qual o papel de artistas, empreendedores, organizadores sociais nessas comunidades? Como eles se relacionam com inovações tecnológicas e tecnologias ancestrais?
A partir daí, pode-se criar estratégias de fomento e articulação cultural, nas quais as organizações parceiras se posicionam enquanto catalisadoras dos agentes ali presentes e investem na sustentabilidade dessas comunidades e dos imaginários que ali habitam. Além de demonstrar interesse genuíno na co-criação de futuros possíveis, essa estratégia não exime as organizações parceiras de agirem no agora, de forma ética e alinhada com os desejos de todos.