Pessimismo Tropical: Juventude e desafios socioeconômicos ao Sul Global
Pessimismo Tropical é pauta de um podcast onde participamos chamado Trash Trends. Clique aqui para ouvir na íntegra.
A identidade latina, rica e diversificada, reflete uma dualidade intrigante entre otimismo e pessimismo. O termo "pessimismo tropical" ressoa com a melancolia associada à cultura latino-americana, moldada por eventos históricos como guerras, ditaduras e crises econômicas. Entretanto, essa narrativa é complexa e desafia generalizações, pois, paradoxalmente, em 2008 e 2012, os latinos foram classificados como os mais otimistas globalmente.
Foto: Cotto Bro Studio
Ao mergulhar nas camadas da identidade pós-colonialista, surge a necessidade de reconciliação. A história colonial deixou marcas profundas, mas desafiar estigmas, investir em educação crítica e capacitar comunidades a redefinirem suas próprias narrativas são passos cruciais.
Dualidade de imaginários: Afinal, somos otimistas ou pessimistas?
O termo "pessimismo tropical" refere-se a uma visão de mundo mais pessimista ou melancólica associada à cultura latina. O pessimismo pode estar enraizado em eventos históricos e sociais que marcaram essas regiões, como guerras, ditaduras, crises econômicas e outras formas de instabilidade. Esses desafios muitas vezes influenciam a perspectiva cultural e artística das comunidades, contribuindo para uma abordagem mais melancólica da vida.
A história dos países latinos é marcado por violência, roubo e subjulgamento do Norte Global, principalmente de países colonizadores: genocídio indígena e originário predominante em quase todo o território e racismo que está na base das relações sociais, indo de pessoal ao estrutural. Os anos XX foi marcado pelo militarismo e ditaduras na América Latina pós Guerra Fria e desejo dos EUA de aumentar sua influência e enfraquecer movimentos de esquerda. No que diz respeito ao Brasil, a consolidação do país surge como uma potência de conveniência para outros interesses — na maioria das vezes estrangeiros .
Apesar disso, em 2008 e 2012, os latinos foram considerados os mais otimistas do mundo. Panamá, Paraguai, El Salvador e Venezuela lideram a lista dos países do mundo onde mais gente respondeu 'sim' a cinco perguntas sobre seu estado de espírito, entre elas se dormiram bem, se acharam que são bem tratadas, se sorriram durante o dia ou aprenderam algo novo. Entre os dez países mais otimistas da lista também estão Guatemala (em sétimo lugar), Equador (9º) e Costa rica (10º). O Brasil, por sua vez, aparece na 59ª posição, empatado com Japão, Laos, Zimbábue, Portugal e Gana. (Fonte: Latin Americans Most Positive in the World, Gallup)
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É interessante notar que, apesar de existir uma percepção de pessimismo latino em alguns contextos, há também evidências de otimismo significativo em algumas regiões da América Latina. Os dados mencionados indicam que países como Panamá, Paraguai, El Salvador e Venezuela lideravam a lista como os mais otimistas do mundo, com outros países latino-americanos também figurando entre os dez primeiros.
Essa perspectiva otimista pode ser influenciada por uma variedade de fatores, como cultura, valores sociais, condições econômicas e eventos políticos. Além disso, a capacidade de encontrar otimismo em meio a desafios pode ser uma característica cultural específica.
É importante reconhecer a diversidade de perspectivas dentro de qualquer região ou grupo étnico. Enquanto alguns podem expressar otimismo, outros podem ter visões mais realistas ou pessimistas da vida. Portanto, embora o pessimismo latino seja uma noção que algumas pessoas associam à região, é igualmente relevante destacar a presença de atitudes otimistas em certos contextos e períodos específicos.
Por exemplo, a crise financeira global de 2008 afetou muitas economias ao redor do mundo, incluindo algumas na América Latina, e isso pode ter influenciado as perspectivas otimistas das pessoas. Além disso, eventos políticos, como mudanças de liderança, instabilidade política e crises sociais, também podem desempenhar um papel na forma como as pessoas percebem seu estado de ânimo em relação ao futuro.
A crise econômica global de 2008 teve impactos significativos no Brasil, apesar de o país ter enfrentado a situação de forma relativamente melhor do que algumas outras economias.
O Brasil experimentou uma desaceleração econômica devido à queda na demanda internacional por seus produtos, principalmente commodities. A redução nas exportações impactou setores importantes, como o agrícola e o de mineração.
Ocorreu turbulência nos mercados financeiros globais, e o Brasil não ficou imune a isso. Houve quedas nas bolsas de valores, desvalorização da moeda e volatilidade nos mercados financeiros. O setor industrial brasileiro também foi afetado, especialmente as indústrias ligadas a exportações. A redução na demanda global afetou a produção de manufaturados. A crise teve impactos no mercado de trabalho. Houve aumento da taxa de desemprego e, em alguns setores, redução nos salários. A construção civil, por exemplo, sofreu com a desaceleração.
O governo brasileiro implementou medidas para lidar com os impactos da crise, como cortes nas taxas de juros, incentivos fiscais e programas de estímulo econômico. O Banco Central também tomou medidas para garantir a estabilidade financeira. O sistema financeiro demonstrou resiliência em comparação com outros países. As instituições financeiras brasileiras foram menos afetadas em termos de falências ou colapsos em comparação com algumas instituições internacionais.
Em comparação com algumas economias desenvolvidas, o Brasil se recuperou relativamente rápido da crise. O país se beneficiou da demanda crescente por commodities e implementou políticas que impulsionaram o consumo interno.
A ascensão e o declínio da classe média brasileira
A ascensão e o declínio da classe média brasileira são fenômenos complexos que foram influenciados por uma combinação de fatores econômicos, políticos e sociais ao longo das últimas décadas. Vale ressaltar que esses processos não são lineares, e diferentes momentos históricos apresentam nuances específicas.
Durante os anos 2000, o Brasil experimentou um período de estabilidade econômica, impulsionado por políticas macroeconômicas sólidas e crescimento econômico consistente. Isso contribuiu para a criação de empregos e aumento da renda. A implementação de programas sociais, como o Bolsa Família, ajudou a reduzir a pobreza e a criar uma base mais sólida para o crescimento da classe média. Esses programas visaram transferir recursos diretamente para famílias de baixa renda.
A expansão do acesso ao crédito facilitou o consumo, permitindo que mais pessoas comprassem bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, contribuindo para o aumento do padrão de vida. O Brasil experimentou um período de crescimento econômico, especialmente no início do século XXI, que gerou oportunidades de emprego em setores como construção civil, serviços e indústria.
A partir de 2010, o Brasil enfrentou desafios econômicos significativos, incluindo recessão, alta inflação e desemprego crescente. Isso teve um impacto negativo sobre a renda e o poder de compra das famílias.
A instabilidade política no país contribuiu para a incerteza econômica. Escândalos de corrupção e crises políticas tiveram efeitos negativos sobre a confiança dos consumidores e investidores.
A inflação e o aumento do custo de vida afetaram o poder aquisitivo da população, especialmente das camadas mais vulneráveis, resultando em uma retração da classe média.
O aumento do desemprego e o crescimento da informalidade no mercado de trabalho podem ter contribuído para o declínio da classe média, já que muitas pessoas perderam empregos formais e tiveram que buscar alternativas menos estáveis.
A pandemia de COVID-19, iniciada em 2019, teve um impacto severo na economia brasileira, exacerbando desafios já existentes e aumentando as disparidades sociais.
É importante notar que a análise da ascensão e declínio da classe média no Brasil é multifacetada e influenciada por uma série de fatores interconectados. Além disso, as condições econômicas e sociais continuam a evoluir, e as perspectivas podem mudar ao longo do tempo com base em políticas governamentais, choques econômicos e outros eventos relevantes.
Imigração compulsória: Como nasce e morre um sonho?
Todos os dias centenas de pessoas imigram, a princípio em busca de uma vida melhor. Algumas estão fugindo de conflitos armados, outras de desastres ambientais; algumas estão buscando uma oportunidade de ascensão profissional. Em geral, as pessoas são impelidas a deixar seus países de origem devido a condições adversas.
A imigração compulsória ou voluntária representa um desafio significativo, tanto para as pessoas afetadas quanto para as comunidades que as recebem. Frequentemente, essas migrações envolvem condições precárias, falta de recursos e a necessidade urgente de encontrar um lugar seguro para viver.
"Claro que depende de pessoa pra pessoa e essa é só a minha experiência pessoal, mas acho que quem vai pra fora no geral sente falta de qualidade de vida e de oportunidade. No meu caso, tive a sorte de conseguir juntar os dois e vir pra estudar aqui em Portugal, mas sem dúvida imigrar também é virar estranho do próprio país, e reconhecer formas de ver o mundo muito diferentes da sua. As expectativas de um imigrante também te moldam pra ter sempre um olhar mais crítico em relação aquele lugar que você escolheu para viver. No geral esse sentimento de “não pertencimento” sempre te acompanha, mesmo que você esteja bem integrado na sociedade da que você escolheu participar."
Giovanna Noronha, estrategista criativa e jornalista, carioca que vive em Porto, Portugal
Recentemente, Portugal se tornou um destino popular para brasileiros, tal como Espanha, Itália, Inglaterra, entre outros. Muitos brasileiros buscam oportunidades de trabalho e melhores condições econômicas na Europa e acabam encontrando grandes comunidades brasileiras em solo internacional como em Lisboa, Porto e Milão.
Foto: Lisa Fotios
Os brasileiros constituem 30,7% do total dos estrangeiros residentes em Portugal, de acordo com novas estatísticas do governo do país europeu. Os números são do relatório de imigração, fronteiras e asilo do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão do governo português responsável por conceder residência a cidadãos de outros países. (Fonte: G1)
Em contrapartida, no ano de 2022, Portugal recebeu recorde de solicitações de retorno de brasileiros ao país de origem. Segundo o chefe da missão em Lisboa do programa Árvore, integrante do sistema da ONU, Vasco Malta afirmou que "Há uma mistura entre falta de acesso ao emprego, dificuldade das condições econômicas e da regularização. No universo dos cidadãos brasileiros em Portugal, que é bastante grande, para nós, é um número significativo (o de inscritos no ano passado). Entre as pessoas que nos procuram, cerca de 80% são brasileiras". (Fonte: Exame)
Conciliação e latinidades: perspectiva histórica e contemporânea da colonização
Há quase 10 anos, um estudo chamou a atenção sobre o distanciamento do brasileiro em relação à América Latina. Segundo dados do The Americas and the World: Public Opinion and Foreign Policy, apenas 4% dos brasileiros se definiam como latino-americanos, ante uma média de 43% em outros seis países latinos (Argentina, Chile, Colômbia, Equador, México e Peru). A posição do Brasil nessa construção regional e identitária transpassa anos — desde a colonização e a predominância espanhola em outros países da América e portuguesa no Brasil, até a relação econômica com os países vizinhos.
O Brasil da América, assim como a Argentina, é um projeto socioeconômico produzido desde suas fundações. Uma política enraizada do processo democrático até as camadas mais finas do tecido cultural. Na Argentina, por exemplo, impera a autoimagem europeia em diversas classes sociais; boa parte da população, da classe política e da mídia, defende a ascendência europeia. O sociólogo e professor emérito da Universidade de Buenos Aires (UBA) Mario Margulis disse que ainda há argentinos que entendem que estão muito mais próximos da Europa do que da identidade latino-americana — e que a história e até a atual geografia da cidade de Buenos Aires explicam esse quadro. (Fonte: G1)
A conciliação das identidades latinas pós-colonialistas envolve um processo complexo de compreensão, redefinição e reconstrução das identidades individuais e coletivas em contextos que foram moldados pela história colonial.
É preciso desorganizar para organizar um projeto de reconciliação, levando para o âmbito público e institucional a compreensão dos impactos do colonialismo na formação das identidades latinas. Isso inclui a consciência das dinâmicas de poder, opressão e exploração que ocorreram durante o período colonial, tal como o reconhecimento e valorização da diversidade cultural dentro das identidades latinas.
Também é preciso investir em desconstruir estereótipos e hierarquias que foram estabelecidos durante o período colonial e envolve questionar narrativas dominantes e desafiá-las para construir uma compreensão mais autêntica e justa das identidades latinas. Encorajar o empoderamento e a autodeterminação é essencial, capacitando as comunidades a narrarem suas próprias histórias, definirem suas próprias identidades e participarem ativamente na construção de seus destinos.
Na esfera pública, é necessário facilitar o diálogo intercultural entre diferentes grupos dentro das identidades latinas, promovendo a compreensão mútua, o respeito pelas diferenças e a construção de pontes entre diversas experiências culturais. A promoção da educação crítica é uma ferramenta poderosa para a conciliação pós-colonial que envolve uma abordagem educacional que incentiva a reflexão sobre a história, cultura e identidade, desafiando ideias preconcebidas e incentivando uma compreensão mais profunda.
Caminhos para a retomada de um otimismo tropical
Ser mais otimista em relação aos desafios sociais e econômicos do Brasil envolve uma abordagem positiva e proativa. Mas para isso, é necessário o engajamento de diversos órgãos da sociedade.
Para um otimismo visceral e revolucionário, é necessário certo grau de consciência e até mesmo de revolta. Sobretudo, é preciso autoestima. Conscientes do processo histórico e infame da imperialização e subordinação da América Latina ao Norte Global até os dias de hoje, é preciso desenvolver ações coletiva e locais. A participação cidadã é fundamental para construir uma sociedade mais resiliente e justa.
Foto: August de Richelieu
As organizações podem incentivar a inovação e o empreendedorismo. Muitas soluções para desafios econômicos e sociais podem surgir a partir de ideias criativas e empreendedoras. Apoiar startups, pequenos negócios e iniciativas inovadoras pode impulsionar o desenvolvimento econômico. Também é necessário investimento em educação para o desenvolvimento pessoal e econômico.
Na esfera civil, o trabalho em equipe e o apoio mútuo podem fortalecer comunidades e indivíduos diante de desafios. Colabore com outros para buscar soluções conjuntas e fortalecer os laços sociais.
Em vez de nos concentrarmos exclusivamente nos desafios, podemos procurar maneiras de abordá-los de forma construtiva. A mentalidade de encontrar soluções pode impulsionar a inovação e o progresso, dentro de ambientes mais diversos.
Cultivar o otimismo em relação aos desafios sociais e econômicos requer uma abordagem colaborativa, centrada em soluções e orientada para o desenvolvimento sustentável. Ao adotar essas práticas, os indivíduos podem contribuir para um ambiente mais positivo e construtivo no Brasil e em toda a América Latina.