Uma jornada histórica e espiritual pela cultura do milho
Entenda o papel do milho na história, na cultura e na mesa dos povos da América Latina
Nas terras ancestrais dos maias, um livro sagrado chamado Popol Vuh ecoava o alicerce espiritual da civilização quiché. Entre suas páginas, teciam-se histórias de deuses e humanos, onde o milho transcendia sua mera forma física para se tornar uma essência divina. Na Guatemala e no México, o milho não era apenas um alimento, era sagrado.
Os mais velhos contavam que o milho possuía o poder mágico de conectar os vivos com seus antepassados. Essa crença, impregnada nas tradições e na culinária dos povos indígenas, reverbera até os dias de hoje. Não é mera coincidência que a maioria dos pratos típicos latino-americanos tenha o milho como ingrediente fundamental.
Paola Santos, uma talentosa cozinheira de Tehuacán, em Puebla, decidiu, há pouco mais de um ano, abrir seu próprio restaurante. "Adoro cozinhar, mas não sigo receitas à risca, uso o instinto", revela. De norte a sul, o milho é a base das receitas mexicanas. Falar de "maíz" é falar da própria alma do México.
Um estudo realizado por Myriam Sulis e Marcella Melchior destacou a desvalorização do milho e sua consequência na perda cultural e memória. Enquanto na Europa o milho era lembrado apenas em períodos de crise, no Brasil, sua difusão na alimentação popular se deveu principalmente aos povos afrodescendentes, adaptando seu uso doméstico e ritualístico.
O milho desempenha um papel central na formação cultural e alimentar brasileira, sendo um elemento de resistência e sacralidade para as culturas afro-indígenas, sustentando pratos típicos como angu e pamonha. No entanto, essa importância histórica é frequentemente negligenciada, sendo o milho associado à ideia de comida de baixa qualidade, em parte devido a políticas de branqueamento social, valorização de produtos industrializados e urbanização alimentar.
Na América Central e do Sul, o milho transcende sua natureza alimentar para se tornar um elo com o passado, uma parte vital da identidade cultural. Embora as formas de preparação evoluam com o tempo, a importância do milho permanece inabalável, enraizada nas tradições e na alma do povo latino-americano.
Com sua versatilidade e sabor único, o milho é um ingrediente importante em uma variedade impressionante de pratos, desde os Andes até a Amazônia, passando pelas planícies do Brasil. Conheça algumas delas:
Tamales: Uma das receitas mais icônicas da culinária latina, os tamales são feitos com uma massa de milho chamada "masa harina", recheados com uma variedade de ingredientes, como carne de porco, frango, queijo ou vegetais, e cozidos em folhas de milho.
Esquites: Um prato popular no México, os esquites são uma versão de rua do milho cozido, desfiado e misturado com maionese, queijo cotija, pimenta em pó, suco de limão e coentro fresco.
Arepa de Choclo: Originária da Colômbia e da Venezuela, a arepa de choclo é feita com milho fresco batido, queijo, açúcar e manteiga. A massa é moldada em formato de disco e grelhada até ficar dourada e crocante por fora, e macia por dentro.
Pastel de Choclo: Um prato tradicional do Chile, o pastel de choclo é uma espécie de torta de milho feita com uma base de carne moída refogada com cebola, azeitonas e ovos cozidos, coberta com uma camada de purê de milho doce e assada até dourar.
Pamonha: Uma receita clássica de festas juninas, a pamonha é feita com milho ralado e cozido, misturado com leite, açúcar e coco ralado. A mistura é envelopada em folhas de milho e cozida até ficar cremosa e deliciosa.
Curau: Semelhante à pamonha, o curau é um doce de milho cremoso e reconfortante. É preparado com milho verde batido com leite e açúcar, cozido até engrossar e servido com canela por cima.
Bolo de Milho Verde: Um clássico da culinária brasileira, o bolo de milho verde é feito com milho batido no liquidificador, açúcar, ovos, leite e manteiga, assado até ficar dourado e perfumado.
Angu: Presente em muitas mesas brasileiras, o angu é uma polenta cremosa feita com fubá de milho, cozido lentamente em água temperada com sal e manteiga até atingir a consistência desejada.
O cultivo e comércio do milho desempenham um papel significativo na economia agrícola, sustentando comunidades rurais e contribuindo para a segurança alimentar global.
O grão é rico em carboidratos complexos e fibras dietéticas, é uma excelente fonte de energia de liberação lenta e promove a saúde digestiva. Além disso, o milho é uma boa fonte de vitaminas, incluindo vitamina A, C e do complexo B, e minerais como magnésio, fósforo, potássio e zinco. Esses nutrientes desempenham papéis na saúde óssea, função muscular e imunológica, além de contribuir para o metabolismo energético.
O milho é mais do que apenas um alimento; é um símbolo de identidade, resistência e conexão com o passado em toda a América Latina. Desde as antigas tradições dos povos indígenas até a evolução das receitas contemporâneas, o milho permanece como uma pedra angular da culinária e cultura latino-americanas. Sua importância vai além do prato, sustentando comunidades, promovendo a segurança alimentar e contribuindo para a saúde humana. Que o milho continue a nos nutrir, unir e inspirar por muitas gerações.